A ESCURIDÃO NÃO PODE EXTINGUIR A ESCURIDÃO. SÓ A LUZ O PODE FAZER.»

MARTIN LUTHER KING




quarta-feira, 14 de março de 2018

HISTÓRIA DOS TITÃS DO PORTO DE LEIXÕES


O porto de Leixões possuía dois “colossos” metálicos.  Um em cada molhe. Únicos no mundo, dois monumentais guindastes que documentam de forma privilegiada a época da arquitectura do ferro e da energia a vapor. São igualmente testemunhas fulcrais da própria edificação do porto – a maior obra de engenharia realizada em Portugal no século XIX. Foi, afinal, graças aos titãs, à força e à sua avançada decidida sobre o mar que os molhes de Leixões foram finalmente construídos no término de oitocentos.

Depois de séculos de projectos, indefinições, sonhos, entraves e utopias, iniciava-se a construção do porto artificial de Leixões. Projectado pelo engenheiro Nogueira Soares, o porto foi construído pela empresa francesa “Dauderni et Duparchy”, com um valor de adjudicação traduzido na, para a época, fabulosa quantia de 4 milhões e 489 mil reis. E, não obstante a complexidade de que se revestiria a edificação desta estrutura portuária, os prazos foram cumpridos: após a entrega provisória em 1892, a definitiva deu-se em 1895. Na base do sucesso destas obras encontram-se vários factores. Dois deles, no entanto, são incontornáveis: a dupla dos gigantescos guindastes movidos a vapor – os “titãs” – que, bloco após bloco, foram erigindo sobre o fundo marinho e rochoso os molhes que definiram o porto artificial.


Havia muitos séculos que as más condições de navegabilidade do porto do Douro vinham demonstrando a necessidade da construção de um porto alternativo. A entrada na barra era muito perigosa, repleta que estava de múltiplos, inesperados e traiçoeiros penedos, muitos dos quais só ligeiramente encobertos pelas águas, provocando contínuos e trágicos naufrágios.

A solução passava, pois, por um porto alternativo que se localizasse muito próximo da cidade do Porto. E, nesta perspectiva, era mais do que evidente que a foz do rio Leça deveria ser a solução. Com efeito, desde a mais recuada Antiguidade que não escapava à argúcia dos homens as condições privilegiadas da foz e do estuário daquele rio como abrigo natural, graças à existência, muito próximo da costa, de um grande número de rochedos que, descrevendo um semi-círculo no mar, formavam como que um porto natural. Ao abrigo desse conjunto de rochedos, a que os homens deram o nome de leixões, recorreram múltiplas embarcações desde tempos imemoriais. 

Fizeram-se vários estudos e projectos, desde meados do século XVI, mas com particular incidência nos séculos XVIII e XIX. Mas não foi facilmente que se convenceu a burguesia mercantil do Porto e o poder central a avançar com esta obra. Foram precisos muitos naufrágios, grandes tragédias e inúmeros prejuízos para que, finalmente, em 1852, após o célebre naufrágio do “Porto” se decidisse avançar definitivamente com soluções para o problema da segurança. 

Finalmente, em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresenta na Câmara dos Deputados a proposta de Lei autorizando o Governo a adjudicar a construção do porto de Leixões e a responsabilizar pela elaboração do projecto definitivo o engenheiro Nogueira Soares.

 A construção do porto artificial consistiu, fundamentalmente, na formação de uma grande enseada, com cerca de 95 hectares, definida pela construção de dois extensos paredões ou molhes, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros aquele paredão.

Para a construção dos molhes artificiais, foi utilizado o granito de pedreiras próximas, a mais importante das quais foi a do Monte S. Gens (Custóias) que se viu ligada a Leixões por uma linha de caminho de ferro, com cerca de sete quilómetros de extensão, construída expressamente para esse fim.

Após a chegada das pedras aos estaleiros e oficinas, estas eram então trabalhadas e conglomeradas dando origem aos enormes blocos graníticos que formariam os paredões e que chegavam a atingir as 50 toneladas. Tal peso, embora pouco prático para o manuseamento deste blocos na obra, era a garantia da futura estabilidade e resistência dos molhes à ferocidade do mar. Mas era, de facto, um problema. Como proceder para transportar, erguer e posteriormente depositar no local desejado os pesadíssimos blocos graníticos?

Para resolver esta questão a empresa construtora, a “Dauderni & Duparchi”, encomendou às famosas oficinas francesas “Fives”, em Lille, dois gigantescos e poderosos guindastes de ferro movidos a vapor que se deslocavam, igualmente, sobre carris. Guindastes que, pelo seu aspecto colossal, de imediato foram baptizados por “titãs”.
Montados em Leixões e dirigidos durante os primeiros anos exclusivamente pelo técnico francês Lecrit, estes potentes guindastes revelaram-se efectivamente como peças fundamentais na construção do porto. Os titãs foram, com efeito, utilizados na construção do próprio porto não se tratando, ao contrário do que muita gente pensa, de guindastes para carga e descarga, embora tenham posteriormente desempenhado também essas funções (o do molhe sul pelo menos até aos anos ’60 do século XX).


Após a edificação dos molhes os titãs continuaram a ser utilizados nas reparações dos paredões, na sequência de danos provocados pela acção tempestuosa do mar. De resto, o titã do molhe norte foi, também ele, protagonista de um fortíssimo temporal ocorrido em  1892, caindo ao mar. Só mais de três anos depois e depois de muitos estudos e esforços, se consegue recuperar o titã do fundo marinho, com o auxílio de potentes macacos mecânicos assentes em barcaças. Rapidamente recuperado o gigantesco guindaste retomará a sua actividade.

A auxiliar desde cedo os titãs, encontrava-se um outro interessante mecanismo igualmente movido a vapor: o aparelho para suspender blocos, popularmente designado por “caranguejeira”. Era esta máquina que transportava um a um e através de carris os blocos desde os estaleiros montados em terra até aos vagões que se deslocavam posteriormente para junto dos titãs, na sua avançada decidida sobre o mar. 

Independentemente do significado de que os titãs se revestem hoje para a história de Leixões e de toda a região, eles possuem importância acrescida pelo seu valor como testemunhas privilegiadas da era industrial e da arquitectura/maquinaria do ferro. Importância tanto maior quanto o facto de, aparentemente, se tratarem de exemplares únicos no mundo. De facto, se é verdade que os dois titãs de Leixões tiveram outros irmãos, não é menos verdade que, nos outros casos, concluídas as construções portuárias esses gigantes de ferro foram desmantelados. E quando isso não aconteceu, nomeadamente na Europa, a primeira e a segunda guerras mundiais encarregaram-se do desmantelamento tendo em conta que, desde muito cedo, os portos marítimos foram alvos prioritários de bombardeamento. 
Ao longo de todo o século XX esta estrutura portuária continuou a crescer com a abertura de sucessivas, alterando radicalmente a fisionomia do estuário do Leça e as velhas margens ribeirinhas de Leça da Palmeira e Matosinhos.
O Porto de Leixões actualmente:

Fonte: 
Joel Cleto e Suzana Faro (in O Comércio do Porto.)


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